<span class=”abre-texto”>Há tempos atrás, nem me atrevo a contar</span> este tempo em anos, um homem sábio me falou algo que marcou na minha memória um registro indelével. Ele me disse: filhos são portas para o aprendizado, para o novo, para o que ainda não conhecemos.

A nós, pais, o desafio de manter a porta aberta. Quando ouvi, minha filha mais velha era uma bebezinha. Eu ainda não havia experimentado grandes desafios, exceto um amor visceral, novo, abrangente e muito preocupado. Ecoava em minha mente estas duas orientações: observe e mantenha a ponte de contato.

Dentro do hábito humano de colocar em caixinhas e rótulos comportamentos, há muitas obras conceituando gerações, dando-lhes nomes e características gerais.

Junto com as rotulações cresceu o clamor para identificar, diagnosticar, temer o conflito intergeracional. Geração após geração, em algum momento, por razões de sobrevivência e individuação, conflitos aparecem. Com nome ou não, por um tempo, pautam o relacionamento do ser em desenvolvimento com seus pais ou mentores. E é necessário ao desenvolvimento de um e ao desapego do outro. É fundamental para que a vida do filho não seja reduzida aos desejos egóicos dos pais.

É ameaçador para os cuidadores este mundo com todas as coisas novas que eles ainda não dominam.

É ameaçador para os jovens, a certeza, a segurança, o lugar claustrofóbico onde os “óbvios” se alojam. É ameaçador para os cuidadores que os mais jovens queiram resolver suas vidas com métodos e meios nunca antes vistos; é ameaçador para os cuidadores que seu processo analógico de tomada de decisão seja dominado pelo mundo digital. É ameaçador para os jovens estar constantemente sob julgamento e tentativas de conformação. Uma lista interminável de medos, dos dois lados, poderia consumir páginas e páginas de considerações.

De certa maneira, a coreografia de enfrentamento se repete a cada geração, em cenários diferentes, com avanços e retrocessos culturais, morais, sociais. Retirando as peles do fenômeno, uma a uma, encontramos no cerne, no miolo, um descolamento, um distanciamento entre pessoas que, partilhando da mesma comunidade familiar, deixaram de se olhar e se escutar.

O grande desafio de manter a porta aberta. Enquanto filhos, muito do mundo novo que desvelamos, poderíamos apresentar para nossos cuidadores… O maravilhamento das descobertas, o lento progredir da construção e experimento das nossas asas rumo à autonomia.

Enquanto cuidadores, muito poderíamos aproveitar destas lufadas de ar renovado para atualizar nossas convicções, espanar a poeira dos nossos óbvios, atualizar nossos “aplicativos” operacionais internos.

Um diálogo rico em possibilidades poderia unir o pensamento analógico com os assombrosos processos digitais – e com a consistência de um e a agilidade do outro, alcançar objetivos e metas, criar, resolver, produzir soluções para um bom viver. Penso que, ao invés de seguir com o olhar nas diferenças, é mais do que hora de focar no aprender com.

Não há tutorial no planeta que possa ensinar a textura correta do pão de queijo que aprendi com minha mãe, que aprendeu com sua avó – além do passo a passo feito com as cabeças quase coladas. Contudo, fotografar este pão de queijo, transformá-lo em um maravilhoso frame, com ajuda da IA recriar a cozinha da bisavó – já não me sinto capaz (ainda, pois pretendo aprender e já vislumbro onde irei pedir aulas). Manter as portas abertas significa principalmente não julgar e validar em conjunto as possibilidades.

Manter as portas abertas é, de fato, de verdade, se interessar pelo mundo visto através dos olhos dos jovens e respeitar a experiência deles.

Há oportunidades para ambos os lados desta conversa. Muito aprendi com meus quatro filhos e sigo aprendendo. Vez por outra, os assisto – faz tempo estou fora dos palcos das suas existências – e fico emocionada com o jeito de cada um resolver a própria vida.

Todos me ultrapassaram – são seres humanos enfrentando os seus desafios, cada um a seu modo, abertos para o aprendizado e para os diálogos. Manter as portas abertas é um trabalho de equipe. Decisão a ser tomada pelos dois lados – contudo, liderado pelo mais experiente, iniciado por quem pode modelar respeito pragmaticamente. Manter as portas abertas é ato sustentado pelo diálogo respeitoso, pela suspensão deliberada de julgamento, o amor substituindo a obrigação, a espontaneidade no lugar dos rituais automáticos.

Ahh, os jovens de hoje! Todos nós um dia estivemos exatamente neste lugar: em relação a nós, algum adulto assustado reclamou da juventude de hoje!