<span class=”abre-texto”>Aeroporto cheio, no meio da tarde em São Paulo</span>. Em Congonhas, o “andar de baixo” é bastante distinto do “andar de cima”. Desde o espaço propriamente dito até a disponibilidade de cadeiras e cafeterias (o lenitivo mor dos viajantes cansados). Barulhos, pessoas inquietas, filas, correrias – chamados aqui e acolá, alguns simultâneos – uma espécie sofisticada da antessala do inferno.

Com meu livro na mão, corro o olho para descobrir um cantinho para esperar. Estava bem contente, pois em um atendimento muito gentil, havia conseguido antecipar meu voo. Alma leve e os ouvidos protegidos por música, fui à caça de uma cadeira… Quase apostei que conseguiria. O dia estava caminhando de modo especialmente fluido. A mentora que habita minha alma estava nutrida pelos diálogos com pessoas sensacionais com as quais interagi nestes últimos dias.

Conforme adivinhado, lá estava uma cadeira, quase escondida, no lugar do meio em uma das duas longarinas dispostas frente a frente.

Assim que me acomodei, uma voz alta atravessa a proteção do meu fone de ouvido. Curiosa como sempre, pauso Piazzolla para acompanhar a fala. Era um gestor gravando mensagens de estímulo para pessoas da sua equipe. Gentil, relatava suas observações a respeito de algum projeto – que infelizmente não consegui capturar qual era. A cada fala, validava a ação do subordinado, qualificava suas ações.

E seguia, gravação após gravação, seguindo este roteiro de gestor desenvolvedor. Eu estava encantada! Claro que se fossem presenciais, essas falas, reconhecimento potente, completariam o que entendo como muito relevante nos relacionamentos em equipes de alto desempenho. Celebrei sozinha, estava bem perto de externalizar meu reconhecimento para o animado senhor sentado à minha direita.

Meu olhar foi atraído por uma moça bonita empurrando um carrinho de bebê. Sem sorriso, com um ar cansado, bem devagar se aproximou do grupo espremido do qual eu fazia parte. Parou, olhou e foi aí que eu quase morri de susto.

O educado e desenvolvedor gestor gritou um palavrão (dos grandes mesmo!) e disse para ela sair de perto, pois “veja bem, estou trabalhando, você só me atrapalha!” continuou ele, gesticulando agressivamente.

A moça recuou, saiu de perto, sumiu. Com o coração quase parando, troco olhares com os outros quatro senhores, tão chocados quanto eu. Na sequência, o colérico retoma sua face gentil e segue gravando para as pessoas da sua equipe.

Precisei sair de perto. Médico e o monstro versão corporativa, aquele senhor esgotou toda a sua capacidade de gentileza com sua equipe. Para a companheira e o bebezinho sobrou a fuligem, a sombra, a violência.

Imaginei que pode ser que também na empresa ele de vez em quando deve assumir essa face assustadora. Uma gramática de comunicação que atemoriza. Que pressiona. Que humilha.

Naquela tarde em Congonhas, ele agrediu por atacado e todos daquele pequeno grupo fomos afetados com a violência descabida e absurda. A bioquímica do meu cérebro, tão calibrada até momentos antes, foi inundada pelo ciclo do estresse. Andei um pouco para serenar, respirei um pouquinho aquele oxigênio cheio de fumaça. Fui para a fila, embarquei e viajei muito pensativa.

Cheguei em casa acompanhada de silenciosos desejos. Viver nosso potencial significa dar a cada pedaço da nossa vida (nós inclusive) a atenção e o cuidado generoso: Que a moça triste encontre coragem para se livrar da toxicidade para proteger seu bebezinho. Que este atormentado senhor consiga se perceber e pedir ajuda para que possa conviver com seu bebezinho amorosamente.