<span class=”abre-texto”>Sempre houve manipulação</span>. As mentiras atravessam os milênios da existência da nossa espécie e seguem poderosas como forma sutil de controle. O fator que altera a abrangência do seu poder é a rapidez com a qual os mecanismos de manipulação são transmitidos de uma pessoa para outra. Este fluxo está cada vez mais acelerado.

Examinando a história, encontramos absurdos perpetrados com base nos mecanismos de manipulação. Dos inúmeros exemplos, cito uns poucos: a caça às bruxas, a Inquisição, a perseguição aos judeus, a escravização e, bem recentemente, a perseguição implacável aos cientistas e aos jornalistas.

O poder do controle depende da manipulação, para que muitos pensem, sintam e façam o que poucos desejam. A pessoa controlada tem pouco contato com a realidade (e mesmo este “pouco” será percebido através de uma lente de distorção). Ela tem baixa percepção das próprias necessidades e das necessidades reais das outras pessoas (suas necessidades e emoções serão definidas pelo controlador) e não utilizará suas capacidades intuitivas e lógicas, trafegando em definições manipuladas pelo controlador.

Do meu encolhido ponto de vista, o mais doloroso é ver a pessoa controlada não utilizando a dádiva da autonomia e da realização do próprio potencial. É como se da pessoa fosse extraída a própria conexão com a realidade e este vazio fosse substituído por comandos sutis e não tão sutis de controle.

Dois aspectos me inquietam: como e por que o manipulador seduz tantos? E o que mais me intriga: o que leva uma pessoa a obedecer cegamente aos comandos manipulativos?

Observando os manipuladores, podemos perceber a utilização sistemática e deliberada da falácia. E é algo muito antigo, tanto é que o primeiro a falar do assunto foi um filósofo grego, que viveu de 384 a 322 a.C., na sua obra De Sophisticis Elenchis (Refutações Sofísticas). Neste texto, ele descreveu 13 falácias. Outro filósofo, Arthur Schopenhauer (1788-1860), no seu livro A Arte de Ter Razão, descreve 38 estratégias para ganhar um debate de qualquer maneira. Seu livro pode ser considerado um manual para a utilização de abusos argumentativos.

Falácia é uma palavra originada do latim fallere. Significa enganar. Abrange argumentos incoerentes, sem fundamento, inválidos, falhos, mentirosos. A falácia pode ser considerada uma armadilha que faz parecer convincente uma informação sem nenhum contato objetivo com a realidade. Ao transitar por notificações e postagens em redes sociais, deparo-me muito frequentemente com a falácia lógica, evidenciada pela utilização manipulativa de linguagem inadequada e de argumentos falhos.

Conhecer as falácias pode nos proteger, uma vez que a pessoa controladora manipulativa as conhece e as utiliza deliberadamente, com propósito planejado.

Deem uma olhada em algumas falácias; muitas delas podemos identificar em uma rápida verificação nas notícias do dia:

  • Apelo à Ignorância (argumentum ad ignorantiam) – “Como os cientistas não provaram que determinado remédio não funciona, é porque funciona.”
  • Falso dilema – “Ou vota no Eurípedes ou o mal prevalecerá.”
  • Apelo à força (argumentum ad baculum) – A pessoa controlada fica sabendo das consequências desagradáveis caso discorde do controlador.
  • Apelo à Piedade (argumentum ad misericordiam) – A manipulação é feita através da utilização do estado fragilizado do controlado.
  • Apelo aos preconceitos – O controlador se utiliza da emoção para carregar com drama aspectos relacionados à crença ou moral do controlado.

E, para encerrar esta pequena amostra:

  • Ataques pessoais (argumentum ad hominem) – Ao invés de contra-argumentar, o manipulador ataca quem falou, agredindo o gênero, o caráter, a origem, a raça ou a religião da pessoa.

Natural que junto das falácias estão as violências, os constrangimentos, as ameaças e a semeadura do medo.

Vamos ao outro lado deste fenômeno: o que faz a pessoa engolir sem pensar argumentos, ameaças e visões assombrosas de um futuro distópico?

A obediência é o fator primordial, do qual derivam todos os outros comportamentos que mantêm uma pessoa sob controle de outra. A pessoa controlada é treinada, desde a infância, a não contestar as “verdades” dos pais, professores, religiosos. É muito raro que, no lugar da imposição, aconteça o estímulo ao pensar autônomo.

Derivados desta subserviência crônica são a tolerância e o conformismo. Estes se sustentam com a não qualificação das raras objeções. Afinal, quem controla sabe mais do que quem é controlado, a ponto de a pessoa controlada perder contato com seus sentimentos e temores, e acreditar piamente em mentiras flagrantes.

Junto com esta conformação ao controlador, a pessoa controlada se volta contra aqueles que desmascaram, protestam ou apontam. Apontar para a realidade – “O rei está nu!” – faz a turba se voltar contra quem apontou, mesmo que enxergue a nudez. Pois a pessoa controlada duvida de si mesma. O tempo todo. Ao não entender, atribui a si mesma a falta de inteligência suficiente. Quando pensa em recusar o comando, julga-se preguiçosa e, quando um pouco de consciência se avizinha, vê-se fraca e incapaz de movimentar-se por si mesma.

Uma missão que se faz fundamental é ampliar a consciência, manter o olhar atento para qualificar a realidade e atrair, com gentileza, as pessoas controladas para a lucidez. Hora de fazer isso aos poucos, cada um na sua bolha, com convites emocionalmente educados para analisar, verificar, fundamentar, dialogar, olhar em volta. Talvez não com a velocidade necessária, mas poderemos fazer uma grande corrente de combate às falácias.