<span class=”abre-texto”>Mudança é uma palavra pequena</span>, até sonora, que esconde desconfortos alguns quase despercebidos. E é também símbolo de pelo menos um paradoxo: mudar gera oportunidade de movimento, expansão e até desenvolvimento, mas apresenta o risco, maior ou menor, de sair do previsível para o não previsível.
As reações serão proporcionais às experiências vivenciadas com mudanças por cada pessoa. Cada pequena mudança colaborando na formação de um repertório de enfrentamento às situações. A tendência, de boa parte de nós é a manutenção. De horários, caminhos, alimentos, formas e maneiras de tomar decisão, manejo de erros e abordagem aos conflitos, dentre outras coisas. A busca por uma razoável previsibilidade é quase automática, pois a sensação de segurança depende em algum grau de saber onde estou e para onde vou.
A mudança sinaliza instabilidade momentânea e neste sentido é entendido pelo nosso sistema como ameaça. E não mudar, muitas vezes, cristaliza a pessoa dentro de um quadro de referência claustrofóbico, o que gera uma necessidade continuada de distorção da realidade para fazê-la caber em crenças e percepções desatualizados. Ou, em casos mais complexos, arremessa a pessoa em um comportamento de inércia, presa fácil de manipulações autoritárias.
Não por acaso, as pessoas mais vulneráveis a manobras de terceiros se descrevem como conservadoras.
O gasto emocional de manter rígidas as fronteiras na convivência e de escapar de qualquer estímulo para mudanças, leva a pessoa a uma espécie de cegueira em relação a si própria, às demais pessoas e aos diferentes contextos. Ao brigar pela manutenção dos velhos axiomas, se perde e perde as conexões com a realidade objetiva.
É muito raro que a pessoa perceba por si mesma os desconfortos internos e externos causados por esta resistência. O que leva para quem percebe, a responsabilidade, a paciência e a persistência, além da compaixão tão fundamental nos relacionamentos cotidianos e especialmente fundamental nas instabilidades.
A pessoa que lida com estas questões com um repertório mais robusto, terá dificuldade de entender a dificuldade daquela que paralisa. Nos dois cantos do tabuleiro da vida, uma pessoa não terá facilidade para entender a outra. Para uma o risco não vale a pena, para outra a paralisia é uma espécie de morte em vida.
Em cada contexto, família, organizações, escolas, sociedade em geral – estes movimentos acontecem com uma coreografia básica semelhante e molduras culturais diferentes. Pois é um fenômeno humano. Que nos atinge enquanto espécie. Temos a tendência ao equilíbrio, ainda que nocivo. E tememos a mudança, ainda que curativa. Podemos acrescentar a essas considerações o ingrediente apimentado da velocidade.
Os estímulos para mudança se apresentam de modo cada vez mais acelerados. Mal se estabiliza um aspecto, outro se apresenta demandando esforço. Tempo voláteis, informações voláteis, relacionamentos voláteis.
O que leva as pessoas a outro movimento preocupante que é a adesão não pensada. Automática, superficial, sem consciência. Parece-me tão preocupante quanto a resistência exacerbada, pois aprisiona igual. A imagem que invade minhas reflexões é a de um hamster se movimentando dentro da roda. O automatismo é um carcereiro caprichoso, aprisiona ao custo de prazer imediato.
Como todo fenômeno humano, as mudanças atingem cada pessoa de modo particularíssimo. A quem fará a gestão cabe ter este olhar. Não há como tratar como fenômeno coletivo. O estímulo sim, este será coletivo.
A maneira como cada pessoa interpretará e reagirá a ele se dará de modos e ritmos diferentes. Portanto, cabe a escuta respeitosa. Cabe garantir para a pessoa espaço para experimentar, para dar pequenos passos, para se capacitar para os novos tempos e movimentos. Cabe qualificar o repertório de cada uma e facilitar construção da ponte entre o antes e o agora.
Principalmente, não é honesto, quando falamos de mudança, nos comparar com as borboletas e suas etapas de transformação. Nós, da nossa espécie, temos a biologia direcionada para buscar, incessantemente, a homeostase, o equilíbrio obtido pela repetição de padrões. A borboleta é aparatada biologicamente para a mudança. Na lagarta (a futura borboleta) existem células chamadas imaginais que são a base do processo.
As células imaginais são encontradas vivas e ativas ao longo do tempo em que o corpo da lagarta morre por autodigestão. Na formação da pupa, a fase seguinte, um casulo sedoso se forma e dentro dele uma sopa de proteína com o que restou da lagarta. Nesta sopa, as células imaginais encontram tudo que precisam para criar a nova estrutura, e executar as diferentes tarefas de criação: olhos, pernas, asas, antenas…. Ao fim do processo, a borboleta se libera do casulo e alça voo.
Nós não somos borboletas!
Cada passo rumo ao desconhecido é inicialmente uma desestabilização dolorosa seguida de uma estabilização momentânea que antecipa a próxima desestabilização. Ao longo do tempo, nossa estrutura biofisiológica nos lembra todo o tempo da estabilidade anterior, da sensação (algumas vezes fantasiada) da segurança.
Contudo, é especial e fundamental atualizar nossos padrões, pois isto nos permitirá transitar pela linha tão tênue da vida com maior amplitude e intensidade.