<span class=”abre-texto”>Uma importante dádiva a entregar</span> nas mãos dos nossos filhos é a capacidade de pensar. Menor talvez do que o amor incondicional, mas quem ama incondicionalmente estimulará o pensamento do outro. Aquele que ama não teme partilhar a visão da realidade do outro. Nem impedirá que o outro voe por horizontes largos e iluminados.
Pensar supõe examinar possibilidades, percepções, pontos de vista e tomar decisões. Logo, este pensamento que operacionaliza a vida, aprendido pela criança nos seus diferentes relacionamentos, pode ser a fronteira entre viver lucidamente ou não. Pensamentos que brotam de quadros de referências encolhidos e paralisados, reproduzirão mentalidades encolhidas e paralisadas.
Os diálogos sintonizados, equilibrados e mediados pelo profundo respeito (entrega sublime do amor incondicional) vão apresentando para a criança uma jornada, ou várias jornadas, rumo a diferentes horizontes, assim como os instrumentos que esta pessoa em andamento precisará para desvendar caminhos e chegadas.
Acontece que o pensamento descontaminado, que leva à lucidez, depende de repertórios. Construir repertórios, item fundamental na expansão e descontaminação do Quadro de Referência, se dá através da aquisição de conhecimentos. Conhecimentos de diferentes origens que permitam expansão. Esta aquisição se dá nos diálogos com pessoas e pode ser mediada pelos livros, teatro, cinema, música, programas de aprendizado.
Sintonizados ao andamento do desenvolvimento da pessoa, o mundo e seus personagens podem ser apresentados e, quanto mais ampla for a visão do anfitrião deste momento especial, mais relevantes e potentes serão os repertórios da criança, do jovem, do adulto emergente, do adulto maduro. Podemos nos manter em permanente movimento de expansão e evolução. Podemos e devemos, pois quanto mais desenvolvido for quem ensina, mais desenvolvimento facilitará em quem aprende.
O medo, escondido nas camadas cruéis do preconceito, restringe esta aquisição de repertório e brasileiros na sua sombra sem pensamentos se movimentam para editar uma versão confusa do Index.
O Index original foi lançado em 1559 pelo Papa Paulo IV e foi abolido pelo Papa Paulo VI em 1966. O Index Librorum Prohibitorum (Índice de Livros Proibidos) tirava da circulação obras consideradas ameaçadoras. A gestão desta lista era partilhada entre a Inquisição e o Santo Ofício, que semeavam terror e disseminavam trevas na mais profunda acepção da palavra treva. Da última versão do Index, em 1948, constavam quatro mil títulos. Neste índice estavam cientistas, pensadores, escritores, poetas – dentre os quais alguns bem conhecidos: Galileu Galilei, Copérnico, Maquiavel, Espinosa, Pascal, Descartes, Voltaire, Victor Hugo, Jean-Paul Sartre. Não fosse a forte resistência que fez circular muitas destas obras clandestinamente, muito do conhecimento base para a ciência de hoje estaria trancado dentro das belas paredes do Vaticano.
E eis que aqui no nosso país, que precisa tanto de lucidez, que necessita urgentemente de expansão de quadro de referência, de consciência, de educação e de bons processos decisórios, pessoas comuns vestem a túnica dos inquisidores e arremessam na fogueira uma obra brasileira.
O avesso da pele de Jeferson Tenório lança luz sobre o racismo, através de cenas reais, em uma prosa bem construída, honrando nosso idioma e o contexto histórico do relato. É quase um compêndio, pois permite compreensão, passo a passo, desta nódoa horrorosa que ainda corrói nosso estrato social. Foi considerado perigoso por trazer à tona o racismo, o sistema educacional falido e a complicada relação entre pais e filhos. Vida real.
As pessoas que estão adotando esta moda do século 16 certamente não aprenderam a pensar e estão presas em um quadro de referência estreito, escuro, pequeno, medroso e treinados para ver demônios, os identificam até nas asas dos anjos.
Meu falecido pai, de vez em quando, dizia: Pensar dói. E dói mesmo. Acontece que o não pensar não dói, mas provoca danos extensos nas pessoas e sistemas. Nossas crianças, jovens, adultos emergentes e adultos maduros precisam olhar para além. É urgente expandir consciência e horizontes! É urgente ativar os sinais respeitosos do amor incondicional e inequívoco.