<span class=”abre-texto”>A morte chega como um susto</span>, acorda lembranças e avisa da finitude. Tal como passos estabanados em um espelho d’água, traz à tona sedimentos invisíveis, tangibiliza as vulnerabilidades, em cada uma das suas dimensões.

Quando se vai um amigo, depois da negação, a interrupção acontece e parece um corte de navalha. Se é alguém com quem partilhamos territórios imensos dos nossos pensares e a chama dos sonhos e ideais, a dor é fina como cristal e segue, linha contínua, ao longo dos dias e noites. Ininterruptamente.

Ainda quando, na contaminação do pensamento, que presume vida eterna, tratamos o tempo com a sem cerimônia dos estoques infinitos, seguimos sem dar a relevância necessária aos encontros. A morte vem lembrar que não! Não! A última vez, o último abraço, a última conversa de pé ao ouvido – poderíamos ter esticado mais… Poderíamos.

Ocorre no momento em que se vai um amigo, que abrigava em seu corpo experimentado uma criança vibrante, a luz do mundo fraqueja por um tempo.

E a natureza daqui do meu canto ficou mesmo cinza. E fria. De aperto no coração a uma falha na respiração, vou encontrar conversas longas nos guardados. Algumas de faz tempo, outras de outro dia mesmo. E as escuto, como criança. Repito e repito na minha memória. Para registrar bem fundo a integridade do seu ser no mundo.

Divido com você, leitor, o estranhamento que é a dor gerada pela morte de um amigo. Vitor, querido amigo, vou pedir emprestado a Milton Nascimento a poesia para ornamentar nosso adeus. E certo é que nossos olhares irão se cruzar em alguma dimensão, com a compreensão das almas irmãs.

Sentinela (Milton Nascimento)

Longe, longe, ouço essavoz
Que o tempo não vai levar

Morte, vela, sentinelasou
Do corpo desse meu irmão que já se vai
Revejo nessa hora tudo que ocorreu
Memória não morrerá

Vulto negro em meu rumovem
Mostrar a sua dor plantada nesse chão
Seu rosto brilha em reza, brilha em faca e flor
Histórias vem me contar

Longe, longe, ouço essavoz
Que o tempo não vai levar

Precisa gritar suaforça, ê irmão, sobreviver
A morte ainda não vai chegar
Se a gente na hora de unir os caminhos num só
Não fugir, nem se desviar 

Precisa amar sua amiga,ê irmão, e relembrar
Que o mundo só vai se curvar
Quando o amor que em seu corpo já nasceu
Liberdade buscar na mulher que você encontrar

Morte, vela, sentinelasou
Do corpo desse meu irmão que já se foi
Revejo nessa hora tudo que aprendi
Memória não morrerá

Longe, longe, ouço essavoz
Que o tempo não levará
Longe, longe, ouço essa voz
Que o tempo não levará