<span class=”abre-texto”>Cá estou, sob o céu cinza da Vila Izabel</span>, na última manhã do ano. Este último soa meio dramático e, para compor a cena, sai da minha pequenina caixa de som os acordes de um adágio.
Não consigo chegar às razões que me conectam com os lamentos dos adágios. Neste momento exato, parecem combinar com o réquiem de mais um ano que se vai para o mundo das brumas. Não é a tristeza do fim que ocupa meu condomínio mental neste momento, é o pensar a respeito do que chega.
Tento escapar das ritualizações, mas elas me enlaçam de qualquer maneira. Assim, cedi aos encantos do pensar a respeito. Como preciso de um pouco de estrutura para me manter no caminho, olho em volta, e um livro salta da estante e está aqui me olhando. Já o li em diferentes ocasiões, de esperas prolongadas a desejo puro de espiar pelas frestas das palavras. Ikigai, escrito pelos espanhóis Héctor Garcia e Francesc Miralles.
Publicado em milhares de posts nas redes sociais, esse conceito japonês busca responder à pergunta tão humana e tão agoniante: qual é a minha razão de ser? O que faz a minha vida valer a pena?
Esse livro delicioso de ler vai transitando em aspectos bem pragmáticos do Ikigai – significados, aplicações em diferentes localidades do Japão, indicações muito simples e leves de como manter-se no rumo. A resposta não está ali. Essa é minha.
A jornada para encontrá-la é minha. Olhar para dentro e fora, entender, escolher, minhas tarefas. Posso pedir ajuda, posso dialogar a respeito, posso seguir pesquisando conceitos, posso desenhar o diagrama (e o fiz), posso teorizar. Mas o encontro com a resposta interna é decisão. Minha decisão. Resolvi fazê-lo.
Considerando a imperfeição, a imprevisibilidade e o quão efêmera é a vida e o tempo, expandir as possibilidades pode ser especial. Definir o definível pode ajudar bastante a dar conta do imponderável.
Razão de ser, sentido, propósito – são termos e palavras utilizados em diferentes contextos. O Ikigai congrega essas e outras expressões não em discursos ou palestras, mas em cadeias de pequenas experiências de estar presente no presente.
Curioso é que um diagrama, de origem não muito definida – mas referenciado mais frequentemente como sendo de Marc Winn –, o diagrama de Venn, tem como função apresentar elementos de um conjunto e sua relação. Mas o gráfico, apresentado infinitas vezes como sendo o próprio Ikigai, é tão somente uma representação da primeira película de dimensões que se colocam, uma depois da outra, rumo a maior profundidade.
Contudo, esta película pode ser um primeiro passo. Um roteiro primário para uma reflexão continuada. Afinal, dar sentido à própria existência supõe encontrar pequenos fragmentos, entendê-los, tomar decisões, trazê-las para a prática rotineira. As decisões necessitam nutrição para se manter. Registrá-las é estratégico.
A roda automática do viver pode engolir estes propósitos com tanta eficiência, que sequer notamos. Assim, ter estas anotações para consultá-las de vez em quando pode me trazer de volta à terra firme.
O diagrama do Ikigai traça rotas para que eu possa entender a mim mesma, o que me mobiliza, o que me conecta ao mundo e o que faço para sobreviver – Paixão, Missão, Profissão, Vocação.
O que amo? O que o mundo precisa? Quais são as minhas áreas de competência? Pelo que posso ser remunerada? Parecem ser simples tais questões. Nesta altura da minha vida, é espantoso que não tenha todas as respostas prontas e articuladas, como não as tenho. Há algumas certezas que me mobilizam e há um número maior de dúvidas que me arremessam na reflexão.
Vez por outra, o grande censor interno, esse ego parental rigoroso que habita minha psique, interrompe meus pensamentos. Como? “Vai ficar refletindo muito tempo, Maku?”. “O mundo desmorona a sua volta. Absurdos medievais seguem acontecendo, violências, intolerâncias, manobras, manipulações, jogos de poder, e você aí, ensimesmada, pensando?”.
Peço silêncio com um único argumento: se eu não estiver fortalecida internamente, com que estrutura farei o que posso fazer? Se não estiver certa do meu caminho, corro um risco bem grande de trazer para a bandeira da minha missão ações que representam minhas estratégias de defesa e não o que de fato é necessário fazer.
Por enquanto, ainda desordenadamente, vou construindo resoluções a partir da primeira grande premissa do Ikigai: não parar, manter-me ativa – entrar em contato com a felicidade de não estar na inércia. Algumas faíscas ainda não elaboradas seguem, são partes da investigação paciente que tenho feito para encontrar o meu Ikigai.
Identificar meus motivos para vivenciar o pertencimento e a ajuda mútua – o que significa partilhar momentos e tarefas com aqueles que podem me aceitar sem condições. Entender que nem todos os grupos onde idealizo estar, são aqueles onde devo estar.
- Cuidar dos vínculos que me unem a pessoas do meu bem-querer, nutrir o amor, o carinho, a atenção. Renovar contratos, manter os campos de convivência com fluidez serena;
- Criar e desfrutar de belezas, quaisquer que sejam, onde quer que estejam – experimentar e manter a capacidade de entrar em contato e o foco com consciência;
- Manter minha mente ativa, flexível e capaz de aprender. Todos os dias;
- Estar atenta aos sinais do meu corpo e reduzir, intencionalmente, pensamentos descontrolados;
- Manter bom humor, otimismo e serenidade frente às necessidades – elas estão por aí, sempre prontas a entrar no palco.
E sigo minha jornada. Quero que cada momento deste novo tempo, entre este e o próximo réveillon, seja de ampla presença no presente.