<span class=”abre-texto”>Daqui do meu canto do mundo</span>, observo os humanos tratando o tempo como passível de reposição. Esbanjadores, aplicam a vida sem a responsabilidade de quem sabe de sua finitude. Como se houvesse um momento em que, vindo do céu com garbo e luz, um representante do infinito (para mim sempre o Morgan Freeman em elegante terno branco) pudesse trazer um pacote de extensão do tempo de vida.
Aspectos fundamentais são deixados para trás, ao relento do esquecimento, e lá ficam, esquecidos, à espera. E isso acontece em nome do quê?
Em nome de que políticas públicas fundamentais são relegadas e trocadas por intermináveis e acalorados debates com o cerne na vaidade narcísica dos interlocutores?
Em nome de que o desenvolvimento de pessoas e equipes é solenemente ignorado por gestores apavorados, que em busca de resultados ficam cegos à inteligência de ter equipes bem preparadas?
Em nome de que pais, mães, avôs e avós se esquecem dos filhos e dos netos, e os deixam órfãos de pensamentos, essências e ações diferentes? Em nome de que filhos e netos deixam para depois o encontro caloroso com pais e avós, adiado várias e várias e várias vezes? Em nome de que amores são adiados, pessoas são esquecidas, mortas em vida? Em nome de que pessoas maltratam pessoas, por pressa, pelo afã de chegar primeiro, por conquistar o que mesmo?
A lista é interminável, a pergunta é sempre a mesma. Em que altar queimo o meu tempo?
Sábios, os gregos nos contam que passado, presente e futuro não são três dimensões do tempo. Só o presente preenche o tempo. O passado e o futuro são duas dimensões relativas ao presente do tempo.
Mesmo que, vez e outra, estejamos enredados pelo passado ou agoniados pelo futuro, só o presente de fato está disponível. Cada vez que essas duas dimensões relativas nos abduzem, tempo de vida é queimado (em nome de quê?).
Para os antigos gregos, Chronos toma conta do tempo matemático, medido, contado. Implacável, cruel, vai marchando – indiferente a quem aproveitou ou não as preciosas porções de vida disponibilizadas. Chronos é o tempo do presente vívido, real, consistente de corpo e coisas. Podemos observá-lo a partir de níveis e graus, mas está sempre limitado ao presente. O único tempo que efetivamente existe. O foco único de Chronos é o presente, em segundos, frações de segundos, nanosegundos – cada uma das suas partes contém a totalidade do presente. Do agora. Do viver inadiável.
Para transpor essa barreira inexpugnável, usamos a linguagem que, ao resgatar o passado e sonhar o futuro, transmuta-se na porta possível para extrapolarmos a realidade objetiva. A linguagem pode nos levar para o intemporal maravilhoso, ou pode nos aprisionar nas armadilhas do já vivido e do ainda não vivido.
Para alívio desse devorador de tempo, os gregos nos apresentam Kairós, aquele que nos alerta para a qualidade do tempo. Para a possibilidade de extrairmos de cada segundo sua potencialidade de vida, e da possibilidade de atribuir significado a momentos, colhendo do banal sua notabilidade. Kairós estica o tempo Chronos. Concentrados em viver com qualidade de presença (o desafio kairológico), podemos fazer render a quantidade. E um diálogo profundo com um amigo pode ter pinceladas do eterno.
O que Chronos massifica, Kairós distingue. Kairós traz para a rotina pontos atemporais de tal beleza que anulam o tic-tac ensurdecedor do relógio.
Os gregos também nos ensinam sobre o tempo Aion, o tempo do sentido, que une com sua costura inefável passado, presente e futuro, com uma consistência que nos permite, humanos que somos, entrar em contato com o divino.
O psiquiatra Dr. Eric Berne, observador atento dos comportamentos humanos, percebeu que para combater o tédio as pessoas realizavam uma distribuição não pensada do tempo (muitas vezes aliada ao mando despótico de Chronos). Na sedação promovida pelo automatismo, as pessoas seguem sem saber os “afinal de contas, para quê?” da vida.
Elas fogem do Kairós perigoso que está contido no contato consigo mesmo e com os outros, então ritualizam os encontros, isolam-se, mantêm a superficialidade dos passatempos ou, pior, intoxicam os encontros com disputas intermináveis. Ainda há os que trabalham, trabalham, trabalham – mantendo-se impermeáveis ao sentir.
Kairós e Dr. Eric Berne (olha só, que dupla!) unem-se para anunciar a possibilidade de esticar o tempo em encontros genuínos e pautados na presença qualificada.
Meu desafio pessoal é não deixar para depois a vida que se apresenta hoje. É extrair de cada segundo o Kairós possível. Pragmaticamente, arrasto minha atenção para o aqui e agora, nos momentos luminosos ou não. Para mim, a tão propalada qualidade de vida é tudo menos qualidade. É quantidade. É tempo. É Chronos.